Quando comecei minhas pesquisas sobre a História de Piraju, percebi que ela estava repleta de fatos e acontecimentos que deixavam dúvidas sobre sua veracidade. Entre eles, o motivo causador do surgimento de São Sebastião do Tijuco Preto, em pleno coração do sertão paulista, já que os relatos oficiais deixam dúvidas quanto a data exata do ocorrido. A partir de então, concentrei meus estudos no período mais obscuro de nossa História, o século XIX.
Após vinte e seis anos debruçados sobre livros e documentos da época, consegui esclarecer, para mim mesmo, todas as dúvidas existentes e acabei por fazer uma releitura da História de Piraju, que certamente será publicada em breve.
Mas, o real motivo da postagem de hoje é tentar desfazer uma inverdade que foi atirada em livros, jornais e sites e que se tornou oficial em nossa História, ou seja, o famoso episódio da libertação dos escravos pirajuenses em janeiro de 1888, quatro meses antes da Lei Áurea.
Quero acreditar que tenha sido apenas uma má interpretação de um documento, pois, para qualquer Historiador experiente, ao se deparar com tal título, perceberá de antemão a impossibilidade do fato. Não quero aqui tecer qualquer tipo de crítica a quem o fez, pois foi uma atitude louvável levantar o passado da terrinha, já que pouca coisa havia sido registrada até então e reconheço também a falta de experiência na área, visto que não se tratava de um Historiador. Mas, o fato em questão necessita de urgente correção, pois não enaltece em nada nossa cidade e ao olhar atento de um bom pesquisador, o acontecido poderá se transformar em uma tentativa de enaltecer o passado de uma cidadezinha interiorana.
Bem, para melhor entendimento sobre o assunto, convido o leitor a mergulhar nos acontecimentos da época, livre das paixões, pois não podemos olhar para o passado com os olhos do presente, já que se trata de uma outra visão social que nada tem dos dias atuais. Para essa pesquisa, utilizei como base a obra da Historiadora Emilia Viotti da Costa, ex-Professora da Universidade de São Paulo e que por diversas vezes atuou como Professora visitante em várias universidades norte-americanas e autora de várias obras dentro da historiografia brasileira.
O regime escravocrata se instalou no Brasil e resistiu por mais de três séculos. A princípio eram utilizados índios capturados de suas aldeias e que muitas vezes eram comercializados no mercado europeu, tendo a Espanha como principal compradora. Com o advento do café e a baixa resistência dos indígenas. A mão de obra negra passou a fazer parte do cenário rural brasileiro, primeiramente nos engenhos de açúcar do nordeste e em seguida, nas lavouras do sul e sudeste. Com o passar dos anos, toda a Europa abriu mão de tais práticas e após grande influência inglesa, o tráfico negreiro foi proibido. Foi o primeiro grande golpe sofrido pelos coronéis.
Nesse ponto da História, é necessário atentar para o seguinte fato; Com o fim do tráfico de escravos, o comércio passou a ser feito internamente, ou seja, os negros existentes dentro do território brasileiro eram comercializados de coronel para coronel. Nas senzalas, havia os escravos reprodutores. Geralmente era o mais forte, que ficava isento dos trabalhos forçados, mas que tinham como missão fecundar o maior número de mulheres possível e assim como animais, suas crias eram transformadas em dinheiro. Outra questão importante a ser analisada é que a expectativa de vida de um negro da época, girava em torno de vinte e cinco a trinta anos, isso devido tanto ao trabalho forçado, quanto aos maus tratos, fome e doenças. Com isso, a tendência natural, era a diminuição cada vez maior da população escrava no Brasil. Com a ascensão do café e a conseqüente diminuição da produção açucareira no nordeste, os senhores de engenho passaram a vender seus negros para os coronéis do sul e sudeste. Esse fato acabou gerando um dos episódios mais demagogo da História do Brasil, ou seja, o Estado do ceará aprovou em sua Assembléia Legislativa, a libertação dos escravos no estado, menos de um ano antes da publicação da Lei Áurea.
Aí me pergunto! Libertou quem? Se no período em questão, restavam em território cearense, apenas 116 negros que eram utilizados em serviços domésticos e que se viram obrigados a permanecerem como estavam, pois no restante do país, tal lei não surtia efeito. Mas, apesar da demagogia embutida, o acontecido funcionou como estopim de uma bomba que estava prestes a explodir. Com isso, o movimento abolicionista ganhou forças e conseguiu o apoio popular que até então ficara neutra em relação a causa. Não se pode deixar também de citar o descontentamento geral da população com os desmandos do Imperador. Percebe-se aí, que o país vivia dentro de uma efervescência política. De um lado os defensores da monarquia e do outro os grupos republicanos que idealizavam uma nova forma administrativa para o Brasil.
Convém lembrar que estamos a menos de um ano da abolição e a movimentação política, tomava conta dos quatro cantos do Brasil. Foi justamente aí, que o Partido Republicano Paulista, o PRP, que tinha como um de seus diretores, o então Coronel Ataliba Leonel e que até então era contrário a libertação dos escravos, aderiu a causa abolicionista, numa tentativa de derrubada do Imperador e consequentemente a implantação do regime republicano.
Com a viagem de D. Pedro II à Europa para tratamento de saúde, assumiu o poder, sua filha, Princesa Isabel que era conhecida por sua simpatia com a causa negra e fervorosa abolicionista que colaborou por diversas vezes com a fuga de escravos que eram encaminhados em segurança até os quilombos da baixada santista. No trono, sua primeira atitude, foi enviar um pedido a todas as Câmaras, incumbindo as da formação de comissões municipais que fariam um estudo detalhado, não só do número de escravos em cada cidade, mas também levantar a possibilidade de libertação dos mesmos em todo o país. É claro que além de ser idéia certa da Princesa, tal atitude servia tanto como resposta política aos adversários, como também tentar conquistar quem ainda era contrário à libertação. Sendo assim, a Câmara Municipal de Piraju, reuniu-se em sessão realizada no dia 15 de janeiro de 1888 e acabou aprovando a formação de tal comissão que ficou composta pelos senhores Major Mariano Leonel Ferreira (Pai de Ataliba Leonel), Tenente Coronel Gustavo Pinheiro de Mello e pelo Doutor José Francisco Machado.
Na dúvida, observei as atas subseqüentes e não encontrei nenhum registro sobre os desdobramentos dos trabalhos dessa comissão, visto que na época, as sessões da Câmara Municipal não eram realizadas com a freqüência dos dias atuais e, como citei anteriormente, devido aos vários acontecimentos políticos que ameaçavam a sustentação do regime monárquico no Brasil, o Congresso aprovou no dia 13 de maio de 1988 a Lei que acabava com a escravidão no país, antes que a citada comissão municipal emitisse o seu parecer final sobre a questão.
A referida Ata, encontra-se em poder do Arquivo Municipal e está a disposição da população que poderá comprovar que nenhum projeto de lei foi apresentado naquela data e, portanto nenhuma lei foi aprovada libertando os escravos em nosso município. Lembrando que vivíamos em uma monarquia e tal atitude não poderia ser tomada. O que nos consola é o fato de várias cidades do interior paulista, citar em seus autos a mesma façanha, mas que infelizmente não passou de uma má interpretação de documentos.
Quero exaltar aqui, a memória de Constantino Leman, que muito fez para preservação de nossa rica História.